quarta-feira, 19 de abril de 2017

O Choro de "Seo" em "Primavera, Verão, Outono, Inverno... E Primavera" (2003)


M/12 | 1h43 | Drama, Romance

Título original: Bom yeoreum gaeul gyeoul geurigo bom
Ano: 2003
Realizado por: Ki-duk Kim
Escrito por: Ki-duk Kim
Estrelado por: Ki-duk Kim, Yeong-su Oh, Jong-ho Kim

Escreve Ilda Teresa de Castro em "Empatia e Consciência Moral" (in Cinema & Filosofia. Compêndio, de João M. Grilo e Maria Irena Aparício) que Primavera, Verão, Outono, Inverno... E Primavera (2003) reflete na personagem de "Seo" (Jong-ho Kim) "a importância da inscrição na natureza humana do sentimento e consciência empática para com os outros seres na Natureza" (Castro, 2013: 84).


Certo dia, "Soe" decide atar os corpos de um peixe, de uma rã e de uma cobra a uma pedra, para logo de seguida os abandonar. Quando acorda do seu sono, o pequeno apercebe-se que está numa situação semelhante à dos seres que deixou. "Durante a noite, o monge 'Oh' (Yeong-su Oh), que assistira aos seus atos sem ser visto, prende-lhe uma pedra de tamanho proporcional às costas, servindo-se de uma corda que 'Seo', tal como os pequenos animais que molestou, não consegue desatar" (ibidem). O mestre só aceita libertar o pequeno na condição de este salvar os bichos e avisa-o de que se um deles tiver morrido, então, "Seo" terá uma pedra que carregará, no coração, para o resto da vida. O desfecho do ato bárbaro da personagem interpretada por Jong-ho Kim é este: um sonante choro de lamento pela dor infligida desnecessariamente (cf. idem, 85).


Referência bibliográfica: Castro, I.T. (2013). "Empatia e Consciência Moral". In Grilo, J.M. & Aparício, M.I. (Orgs.), Cinema & Filosofia. Compêndio (pp.47-104). Lisboa: Colibri.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

"100 Metros" (2016). Distâncias (in)términas.


Pontuação: 6,5/10

M/14 | 1h48 min. | Comédia, Drama

Realizado por: Marcel Barrena
Escrito por: Marcel Barrena
Estrelado por: Dani Rovira, Karra Elejalde, Alexandra Jiménez, Maria de Medeiros


"Todo el mundo sufre una enfermedad incurable y degenerativa: la vida" ("Manolo").


O novo filme de Marcel Barrena ergue-se a partir de uma narrativa forte. Não é a primeira vez que este realizador traz ao grande ecrã uma história real e inspiradora – já o havia feito com Mon Pétit, em 2012, um documentário sobre Albert Casals, um homem de cadeira de rodas que, mesmo sem dinheiro, conseguiu embarcar numa longa viagem pelo mundo. 100 metros também apresenta ao espectador uma história verídica sobre outro grande homem, Ramón Arroyo, o espanhol que completou uma prova de triatlo composta por 3,8 kms de natação, 180 kms de bicicleta e 42 kms de maratona, em menos de 17 horas.



Os primeiros minutos de 100 metros revelam uma altura em que tudo parecia correr bem para “Ramón” (Dani Rovira) (supra): além de estar à espera do segundo filho, é reconhecido no seu trabalho, que vai de vento em popa. Mas a estabilidade e a alegria que imperam no início deste drama depressa são substituídas por um jogo de mãos que surge como uma premonição: apercebemo-nos que há algo de errado com o físico da personagem e, num instante, recebemos a informação de que “Ramón” tem esclerose múltipla. A partir do momento do diagnóstico, Barrena convida-nos a sofrer com uma família que ficou sem chão, tal como “Manolo” (interpretado de forma brilhante pelo ator Karra Elejalde) já havia ficado sem teto.
Os grandes momentos desta longa-metragem são proporcionados pelas picardias entre “Ramón” e “Manolo” (infra). A dupla tanto nos consegue oferecer instantes de comédia como diálogos que apelam a uma reflexão profunda e sentida sobre a existência humana. A aproximação entre os dois surge a pedido de “Inma” (Alexandra Jiménez), esposa do primeiro e filha do segundo, uma mulher ansiosa por ver a sua família sentada, pacificamente, à mesa, dividindo, sem discussões, o mesmo lar.



A guerra entre o genro e o sogro acaba por esmorecer à medida que os dois treinam, juntos, para a prova de triatlo. Unidos por um mesmo objetivo – que o escleroso contrarie a ideia de que, dali a um ano, já não conseguirá andar 100 metros –, “Ramón” e “Manolo” acabam por criar uma amizade que traz bons frutos: se o primeiro acaba por questionar as limitações do seu corpo e se supera, dia após dia, o segundo abre o coração para um novo amor, um amor que já vinha anunciado na sua canção favorita – “Noelia” (interpretada pela grandiosa Maria de Medeiros), de Nino Bravo: “Hace tiempo que sueño con ella / y sólo sé que se llama Noelia, / hace tiempo que vivo por ella / y sólo sé que se llama Noelia...” (infra).



Apesar de se alicerçar sobre uma grande história e de contar com um conjunto de performances dignas de aplausos, 100 metros fica muito aquém no que respeita ao primor da técnica. Planos-sequência mal escolhidos, rotações de câmara que surgem sem qualquer necessidade (a forma como o realizador nos faz ver “Ramón”, deitado na cama, mais ou menos a meio do filme, chega a provocar náuseas), uma fotografia que não sabe tirar partido das belezas do campo e músicas que entram naqueles exatos momentos em que a nossa mente pede silêncio (nem o facto de a banda sonora ser de Rodrigo Leão chega para nos fazer perdoar o exagero). Juntando estas críticas a um ou outro cliché (como aquele que espelha a personagem de Ricardo Pereira, um tipo que surge, apenas e só, para mostrar que os amigos são aqueles que estão lá, incondicionalmente, nos maus momentos), podemos asseverar que 100 metros tinha tudo para ser um mau filme. Não obstante, conseguimos perdoar Barrena, pois quando estamos perante histórias de resiliência e de superação, há toda uma esperança que nos conforta e faz sorrir.