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sexta-feira, 23 de junho de 2017

"Contos da Lua Vaga" (1953), de K. Mizoguchi


Pontuação: 8,5/10
M/12 | 95 min. | Japão

Realizado por: Kenji Mizoguchi
Escrito por: Matsutarô Kawaguchi, Hisakazu Tsuji, Akinari Ueda, Yoshikata Yoda
Estrelado por: Masayuki Mori, Kinuyo Tanaka, Machiko Kyo, Mitsuko Mito

Os Contos da Lua Vaga é, provavelmente, o filme de Mizoguchi mais admirado no Ocidente. Nesta peça cinematográfica, conta-se a história de um oleiro que é seduzido por uma bela mulher-fantasma e que, com ela, vive um romance que o faz querer voltar para a sua esposa (que transpira amor e cuidado) e para o seu filho (que nos confunde - a dada altura, já não sabemos se respira, se está morto). Com poucos close-ups dos rostos das personagens e mais planos longos, este filme, e outros, pede ao espectador que se sente, que assuma os seus erros, que se arrependa, que assuma. Desta forma, está aberta a porta para a dimensão ética do humano. E isto navegando sempre, de uma forma sublime, entre o real e o imaginário.

Ao ler A Imagem do Cinema, encontrei uma reflexão de Paulo Viveiros que resume muito bem, a meu ver, o cinema de Mizoguchi: diz o professor que este cineasta era um "cineasta do gestual e não da ação, porque o objetivo primeiro é o cinema e a sua dimensão ética, as histórias são apenas um pretexto. Não é o tema da exploração da mulher na sociedade japonesa que é importante nos seus filmes, mas como ele filma isso. Ou seja, como é que o cinema pode assumir e suportar uma história ou um facto de uma forma digna" (Viveiros, 2005: 132).

Tal como disse Jean-Luc Godard, talvez Mizoguchi tenha sido e continue a ser um dos maiores cineastas de sempre.

Referência bibliográfica:
Viveiros, P. (2005). A Imagem do Cinema. História, Teoria e Estética. Lisboa: Ed. Universitárias Lusófonas.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

"O Ecrã Global", de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy

Gilles Lipovetsky e Jean Serroy são os autores de O Ecrã Global (editada em português pelas Edições 70), uma obra que revela uma grande preocupação com a proliferação dos ecrãs na era contemporânea. Não obstante, ao contrário de um pensamento que é recorrente, hoje, estes pensadores não consideram que haja um empobrecimento da estética dos filmes – o que importa é que nos adeptemos a tudo aquilo que o digital trouxe e que nos dirijamos às salas de cinema de espírito aberto, prontos para pensamentos múltiplos, para saltos espaciais, para temas controversos, para toda uma multiculturalidade. Apesar da enorme concorrência da televisão, dos computadores e dos telemóveis, um dos grandes objetivos de Lipovetsky e de Serroy é mostrar, argumentativamente, que nada pode tirar ao cinema o seu papel de difusor e de aproximador de diferentes espaços, tempos e culturas. Além disso, um dos pontos altos do referido livro encontra-se logo nas páginas introdutórias, onde são explicados os quatro grandes momentos ou ‘idades do cinema’ (cf. Lipovetsky & Serroy, 2010: 15 ss.), que passamos agora a descrever, sucintamente:
1) a época do cinema mudo – o momento em que a sétima arte procurou um estatuto e uma definição artística; a sua referência era, nesta altura, o teatro; filmavam-se, sobretudo, pequenas cenas, nomeadamente dramáticas (e cómicas); a ausência de palavras era compensada com uma mímica exagerada e os cenários trabalhados e as maquilhagens exuberantes eram outras duas estratégias utilizadas pelos cineastas para prender a atenção dos espectadores (veja-se o expressionismo alemão dos anos 20);
2) a época que decorreu entre os anos 30 e os anos 50 – neste tempo, o cinema já era o passatempo popular por excelência; chegámos à fase do sonoro, da aplicação da cor, dos ecrãs panorâmicos e do Cinemascope; “enquadrado por normas genéricas, temáticas, morais, estéticas, este cinema é o cinema do guião, das cabeças de cartaz, das produções de estúdio” (idem, 17); que o grande ecrã nos contava, aqui, eram histórias essencialmente teleológicas – filmes organizados para conduzir a narrativa ao desenlace final (mas não é esta uma condição necessária, presente em todos os produtos cinematográficos?); a rodagem em estúdio era privilegiada em detrimento das filmagens de rua (ainda que tenhamos um neo-realismo italiano marcado por fortes imagens exteriores) e colocava-se uma grande ênfase nas vedetas; já a figura do realizador era secundária – o que  mais importava era a trama;
3) as décadas de 50, 60 e 70 – aqui, o papel das novas gerações foi crucial: vejamos a Nouvelle Vague, em França, o free cinema, na Grã-Bretanha, o cinema contestatário da Europa de Leste, o cinema novo no Brasil e nos anos 70 toda uma nova geração que se apoderou de Hollywood; contrariamente ao que tinha sucedido na segunda época referida por Lipovetsky e Serroy, o que se queria, agora, era filmar na rua, quebrar as normas estabelecidas, trocar as interpretações teatrais das personagens por um naturalismo juvial, impôr uma produção independente; este “cinema acompanha uma nova modernidade individualista, a que é promovida pela sociedade de consumo, pelos seus valores e pela sua contestação: felicidade, sexo, juventude, autenticidade, prazer, liberdade, recusa das normas convencionais e austeras” (idem, 19);
4) os anos 80 – aqui, todas as dimensões do universo cinematográfico foram afetadas (desde a criação ao consumo, passando pela promoção); é por esta mesma altura que surge o chamado ‘ecrã global’ (uma expressão que, segundo os autores que temos vindo a citar, remete para o estado que é possibilitado pelas novas tecnologias da informação e da comunicação; estamos na época do ‘tudo-ecrã’; o cinema é feito de padrões ‘blockbusterizados’ e transnacionais, de elementos cada vez mais miscigenados e multiculturais (cf. idem, 23); se já nos anos 50 o cinema tinha sofrido uma crise devido à ascensão da televisão, temos, aqui, uma nova perda de posição; no entanto, a verdade é que há um desejo cada vez maior de uma vida filmada, há um cinenarcisismo proliferante, “já não se tratar apenas da retração do cinema, mas da expansão do espírito do cinema no seio de uma cinevisão globalizada”...
A conclusão a que Lipovetsky e Serroy chegam é esta: o tudo-ecrã não faz com que o cinema ande para trás: “contribui, pelo contrário, para disseminar o olhar-cinema, para duplicar a existência da imagem em movimento, para criar uma cinemania generalizada” (idem, 24). Há, de facto, hoje, todo um espírito cinematográfico que anima o mundo.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

O Choro de "Seo" em "Primavera, Verão, Outono, Inverno... E Primavera" (2003)


M/12 | 1h43 | Drama, Romance

Título original: Bom yeoreum gaeul gyeoul geurigo bom
Ano: 2003
Realizado por: Ki-duk Kim
Escrito por: Ki-duk Kim
Estrelado por: Ki-duk Kim, Yeong-su Oh, Jong-ho Kim

Escreve Ilda Teresa de Castro em "Empatia e Consciência Moral" (in Cinema & Filosofia. Compêndio, de João M. Grilo e Maria Irena Aparício) que Primavera, Verão, Outono, Inverno... E Primavera (2003) reflete na personagem de "Seo" (Jong-ho Kim) "a importância da inscrição na natureza humana do sentimento e consciência empática para com os outros seres na Natureza" (Castro, 2013: 84).


Certo dia, "Soe" decide atar os corpos de um peixe, de uma rã e de uma cobra a uma pedra, para logo de seguida os abandonar. Quando acorda do seu sono, o pequeno apercebe-se que está numa situação semelhante à dos seres que deixou. "Durante a noite, o monge 'Oh' (Yeong-su Oh), que assistira aos seus atos sem ser visto, prende-lhe uma pedra de tamanho proporcional às costas, servindo-se de uma corda que 'Seo', tal como os pequenos animais que molestou, não consegue desatar" (ibidem). O mestre só aceita libertar o pequeno na condição de este salvar os bichos e avisa-o de que se um deles tiver morrido, então, "Seo" terá uma pedra que carregará, no coração, para o resto da vida. O desfecho do ato bárbaro da personagem interpretada por Jong-ho Kim é este: um sonante choro de lamento pela dor infligida desnecessariamente (cf. idem, 85).


Referência bibliográfica: Castro, I.T. (2013). "Empatia e Consciência Moral". In Grilo, J.M. & Aparício, M.I. (Orgs.), Cinema & Filosofia. Compêndio (pp.47-104). Lisboa: Colibri.

segunda-feira, 13 de março de 2017

O que há de comum entre Eisenstein e Brian De Palma?

 

O Couraçado Potemkine (1925)

1h15 min. | Drama, História

Título original: Bronenosets Potyomkin
Realizado por: Sergei Eisenstein
Escrito por: Nina Agadzhanova

Estrelado por: Aleksandr Antonov, Vladimir Barsky, Grigori Aleksandrov


Os Intocáveis (1987)

M/16 | 1h59 min. | Crime, Drama, Thriller

Título original: The Untouchables
Realizado por: Brian De Palma
Escrito por: Oscar Fraley, Eliot Ness, David Mamet
Estrelado por: Kevin Costner, Sean Connery, Robert De Niro


Foi em 1925 que surgiu um dos filmes mais aclamados de todos os tempos: O Couraçado Potemkine, de Sergei Eisenstein, um espelho do motim do couraçado Potyomkin, ancorado em Odessa. Alicerçada sobre uma ideologia profunda, esta obra consegue compaginar a dramaturgia enquanto aspeto fundamental do cinema com os impactos essenciais providos de inovações técnicas como a montagem. 
À semelhança de uma tragédia clássica, O Couraçado Potemkine encontra-se dividido em cinco partes: 1) “Homens e Vermes”; 2) “O Drama do Castelo da Popa”; 3) “O Sangue Clama Vingança”; 4) “A Escadaria de Odessa”; 5) “Azáfama do Combate”. Podemos dizer que a vida a bordo, o motim, a morte, a violência, a dor e, sobretudo, as duras condições de vida do povo russo sob a alçada do Czar são os principais elementos que compõem a sua narrativa. 
Os Intocáveis, de Brian De Palma, chegou em 1987. A obra conta com Kevin Costner, Robert de Niro e Sean Connery nos principais papéis (um faz de agente do FBI, o outro de chefe da máfia e o outro de polícia). A história é simples: trata-se de um retrato biográfico de Eliot Ness centrado nas suas tentativas de colocar Al Capone (um gangster ítalo-americano que liderou um grupo criminoso dedicado ao contrabando, durante o período da Lei Seca, nos EUA) na prisão, um retrato que tem como fundo uma banda sonora composta por Ennio Morricone que nos consegue transportar, realmente, para Chicago.

Imagem de Os Intocáveis (1987)

Com este thriller, o cineasta americano tentou homenagear Eisenstein e a famosa cena da escadaria de Odessa, uma das mais lembradas, citadas, amadas e odiadas do mundo da sétima arte. É impossível falarmos do cinema soviético dos anos 20 sem relembrar, desde logo, as imagens chocantes da quarta parte de O Couraçado Potemkine (imagens como a que se segue):

Imagem de O Couraçado Potemkine (1925) - a escadaria de Odessa

Eisenstein acreditava que uma das funções do cinema era mexer com as emoções dos espectadores (leiam-se os artigos que compõem O Sentido do Filme e A Forma do Filme, ambos traduzidos para português). Através do uso de técnicas de montagem inovadoras (o travelling lateral, p. ex.), o cineasta russo conseguiu que ninguém ficasse (e que fique, ainda hoje) indiferente ao seu primeiro filme. A cena da escadaria de Odessa é frenética mas, ao mesmo tempo, parece demasiado demorada. Nela, o horror segue-se ao horror. Se pensávamos que o clímax tinha sido atingido aquando daquele close-up da mão pisada do rapaz da camisola branca, depressa nos apercebemos que seremos confrontados com algo ainda mais duro: o plano que se lhe segue mostra-nos uma mãe a ser baleada e a empurrar, involuntariamente, o carrinho do seu bebé, que desce, degrau a degrau, circundado por corpos e rostos de pânico (ver imagem infra):

Imagem de O Couraçado Potemkine (1925) - a escadaria de Odessa

É precisamente esta cena do carrinho de bebé que aparece no filme de Brian De Palma. Não obstante, o realizador de Os Intocáveis não recorre à freneticidade de Eisenstein, mas sim à técnica do slow motion, um recurso comummente usado para causar tensão no espectador. Neste caso, tensão e recordação.

Imagem de Os Intocáveis (1987) - homenagem  de De Palma à cena da escadaria de Odessa

terça-feira, 7 de março de 2017

"As Asas do Desejo" (1987), de Wim Wenders

Imagem retirada de:


M/12 | 2h8min. | Drama, Fantasia, Romance

Título original: Der Himmel über Berlin
Realizado por: Wim Wenders
Escrito por: Wim Wenders, Peter Handke e Richard Reitinger
Estrelado por: Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Otto Sander



Na Berlim pós-guerra, há um anjo que, por culpa de uma paixão, não quer mais ser anjo. Diz ele que:

"It's great to live by the spirit, to testify day by day for eternity, only what's spiritual in people's minds. But sometimes I'm fed up with my spiritual existence. Instead of forever hovering above I'd like to feel a weight grow in me to end the infinity and to tie me to earth. I'd like, at each step, each gust of wind, to be able to say "Now." Now and now" and no longer "forever" and "for eternity." To sit at an empty place at a card table and be greeted, even by a nod. Every time we participated, it was a pretense. Wrestling with one, allowing a hip to be put out in pretense, catching a fish in pretense, in pretense sitting at tables, drinking and eating in pretense. Having lambs roasted and wine served in the tents out there in the desert, only in pretense. No, I don't have to beget a child or plant a tree but it would be rather nice coming home after a long day to feed the cat, like Philip Marlowe, to have a fever and blackended fingers from the newspaper, to be excited not only by the mind but, at last, by a meal, by the line of a neck by an ear. To lie! Through one's teeth. As you're walking, to feel your bones moving along. At last to guess, instead of always knowing. To be able to say "ah" and "oh" and "hey" instead of "yea" and "amen." - "Damiel" (Bruno Ganz)

Brilhante.

No próximo dia 20 de março de 2017, será Paris, Texas, também de Wim Wenders, a ser transmitido no Theatro Circo, em Braga.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Sobre o 'Contágio Emocional' no Cinema a partir de A. Coplan


Em “Catching Characters’ Emotions: Emotional Contagion Responses to Narrative Fiction Films”, a professora de Filosofia Amy Coplan começa por alertar para o facto de, ao vermos um filme, experienciarmos o mesmo tipo de emoções que as personagens experienciam. Este tipo de ‘mimetismo’ (mimicry) é resultado do ‘contágio emocional’ (emotional contagion – EC), “um processo afetivo automático e involuntário que ocorre quando observamos outras experiências emotivas” (Coplan, 2006: 26; trad. minha). Tal contágio é um aspeto significativo do nosso envolvimento, enquanto espectadores, com os filmes e isto, essencialmente, por duas razões: 1) EC requer um compromisso sensorial direto e envolve processos automáticos, algo que não acontece, por exemplo, com as narrativas literárias; 2) EC não envolve crenças ou imaginação, apenas processos automáticos e involuntários que escapam ao controlo da consciência. Isto faz com que a experiência do contágio emocional do cinema seja praticamente igual à experiência real de contágio emocional (cf. ibidem). Aliás, os filmes podem até ser capazes de produzir um EC maior do que aquele que temos no quotidiano uma vez que o realizador possui um aparato de técnicas. Carl Plantinga, filósofo que Coplan refere no seu artigo, explicou algumas dessas técnicas aquando da sua discussão sobre a ‘scene of empathy’ – por exemplo, focar o rosto de uma personagem durante o período de tempo suficiente para chamar a atenção do espectador para a experiência emocional interior dessa mesma personagem (neste sentido, Coplan dá o exemplo da cena de abertura de Kill Bill 1, de Quentin Tarantino - ver imagem supra). Urge perguntar que ‘tempo suficiente’ é esse – um minuto? Vinte minutos? Uma hora? E será esse tempo igual para todos os espectadores? Será que os mecanismos de feedback são ativados em todos os seres humanos de igual forma?
Voltando à tese de Coplan sobre o EC, é importante anunciar que a mesma parece deveras interessante se atentarmos no facto de quase todos os grandes teóricos da corrente cognitiva sobre o cinema preocuparem-se com respostas 'mais sofisticadas' (a expressão é da autora) sobre a emoção nos filmes – respostas como a empatia, a simpatia, a simulação ou até a identificação imaginativa. Plantinga, por exemplo, sugere que o EC é um tipo de empatia ou uma parte da empatia. Não obstante, a empatia envolve cognição, até mesmo um certo sentido de realidade (‘cognitive sense of reality’). Diz Coplan que, quando um espectador sente empatia com uma personagem, ele também assume a perspetiva psicológica da personagem, o que inclui precisamente o tal sentido de realidade (cf. idem, 31). Mas, mais uma vez, o EC não envolve quaisquer pensamentos, crenças, julgamentos.
Segundo Coplan, os trabalhos sobre as emoções no espectador de cinema tendem a enfatizar o potencial educativo das reações emocionais. Não obstante, se, de facto, existem filmes que visam transmitir algum tipo de conhecimento (veja-se o género documental), há outros que não o fazem (ainda assim, será que um filme experimental como Study in Color and Black and White, de Stan Brakhage, serve apenas para ser visto e não pensado?). A autora de que aqui falamos acredita que, “de qualquer forma, o contágio emocional é melhor entendido como experiencial do que como instrutivo” (idem, 35; trad. minha). Para Coplan, o nosso compromisso com as ficções audiovisuais são mais afetivas e menos cognitivas do que o nosso compromisso emocional com ficções literárias. Nesse sentido, os filmes estão mais próximos da vida real do que a literatura. Será isto verdade?


Referência Bibliográfica: Coplan, A. (2006). Catching Characters’ Emotions: Emotional Contagion Responses to Narrative Fiction Film, Film Studies, 8, 26-38.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

"Le mystere Des Roches de Kador" (1912)


A obra Le mystere des Roches de Kador, de 1912, do realizador Léonce Perret, explora o caso de “Suzanne”, uma jovem que sofre de amnésia devido a um trauma. Por forma a tratar a sua paciente, o seu psicanalista, o "Professor Williams", desenvolve um novo método de psicoterapia com recurso ao cinematógrafo. O filme que é projetado reconstitui a situação que originou o trauma da rapariga, que passa de um estado catatónico a um estado de katharsis (veja-se o momento esteticamente sublime - ver supra - em que “Suzanne” se queda, de braços abertos, em frente ao projetor que a ilumina, que a limpa de tudo o que a assola). Estamos, pois, perante um passo gigante no que respeita ao reconhecimento dos efeitos psíquicos e até físicos que o cinema pode despoletar no espectador. Um passo que foi dado apenas 17 anos depois da invenção da sétima arte.

O filme completo segue infra:


quarta-feira, 9 de novembro de 2016

"Aller au Cinema - L. Lumière", de Éric Rohmer



Documentário | 65 min.

Realizado por: Éric Rohmer
País: França
Ano: 1968


Uma conversa entre Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa e responsável pela preservação de filmes dos Irmãos Lumière, e o cineasta Jean Renoir. Excelente forma de ficar a conhecer um pouco mais sobre os inventores do cinematógrafo.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O Cinema de Andy Warhol



Andy Warhol nasceu em 1928, em Pittsburgh, no seio de uma família de emigrantes eslavos. De 1945 a 1949, estudou Artes Gráficas Aplicadas e, após obter o diploma do Carnegie Institute of Technology, instalou-se em Nova Iorque. Foi aí que começou a trabalhar em ilustração e publicidade para revistas como a conceituada Vogue. Foi essencialmente na década de 60 que o artista Pop começou a pintar e a elaborar serigrafias sobre tela (Latas de Sopa Campbell's, rostos de famosos como Marilyn Monroe ou Elvis Presley,...). Foi também por essa altura que Warhol se anunciou como cineasta experimental.
A expressão 'cinema experimental' abrange diversos estilos cinematográficos que têm em comum o facto de se diferenciarem e/ou até de se oporem às práticas e ao estilo da sétima arte mais comercial. Normalmente, os filmes experimentais caracterizam-se pela ausência de uma narrativa linear - e, muitas vezes, de som - e pelo uso de diversas técnicas de abstração. Estas características estão presentes nos filmes deste artista. Como explica Graig Uhlin, num artigo intitulado "Tv, Time, and the Films of Andy Warhol", as suas obras cinematográficas "are usually situated within avant-garde and art-historical traditions - the realism of the New Cinema, the influence of John Cage and other avante-garde music and dance movements, the traditions of minimalism and Pop Art" (Uhlin, 2010: 2).
Nos primeiros filmes de Warhol, não há enredo nem diálogo, apenas uma vontade de mostrar tudo o que se atravessa à frente da câmara: em Henry Geldzahler, de 1964, vemos o curador Henry Geldzahler a fumar um charuto e, ao longo de 97 minutos, percebemos que ele vai ficando cada vez mais desconfortável; em Sleep, do ano anterior, assistimos ao poeta John Giorno, amigo íntimo de Warhol, na altura, a dormir durante cinco horas e vinte minutos; já com Empire, de 1964, vemos Empire State Building, à noite, durante seis horas e meia (ver uma parte do filme infra):



Ao falar do cinema deste artista, devemos referir a influência da TV pois, como o próprio destacou várias vezes, tal meio de comunicação é uma espécie de modelo explicativo para as suas obras cinematográficas, principalmente durante o período a preto e branco. O filme Bufferin, de 1966, confronta-nos com uma leitura de poesia por parte de Gerard Malanga, "seems to mime the structure of a television program, where narrative action is interrupted by commercial braks" (idem, 8-9). De notar que em Soap Opera, de 1964, as imagens do drama doméstico também são interrompidas por anúncios televisivos.
A verdade é que o trabalho deste artista espelha-se como uma forma de protesto. Existe na sua arte uma preocupação, uma chamada de atenção para os perigos do consumo, da trivialidade e da banalidade que reinam hoje em dia. Esse é, aliás, um dos aspectos que atravessa a obra dos artistas da chamada Pop Art (que tem como uma das suas figuras principais, precisamente, Warhol), um movimento que se associa à superficialidade que caracteriza sociedades capitalistas e tecnológicas que privilegiam o consumismo exacerbado. 

Referência: Uhlin, Graig (2010). Tv, Time and the Films of Andy Warhol. In Cinema Journal, 49, 3, pp.1-23.

Adaptado de Andy Warhol e o Espelho do Banal (trabalho final realizado no âmbito do curso livre de Fotografia e Cinema org. pelo Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa, entre março e abril de 2016).

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Elogio ao Silêncio

Charlie Chaplin fez filmes que apresentam as mais diversas situações humanas sem ter sido necessário recorrer à fala

"Do próprio silêncio recebeu o cinema o impulso criador assim como a faculdade de obter excelentes efeitos artísticos." 

Rudolf Arnheim, em A Arte do Cinema (1933)

terça-feira, 21 de junho de 2016

A Arte e o Mundo

Na vida, podemos sempre optar por olhar para a arte primeiro a fim de ver a realidade de um modo novo ou até de tomarmos consciência dela pela primeira vez. Browning alertou-nos para isto com os belos versos que se seguem:

"...nature is complete
Suppose you reproduce her - (which you can't)
There's no advantage! You must beat her then
For, don't you mark, we're made so that we love 
First when we see them painted, things we have passed
Perhaps a hundred times nor cared to see;
And so they are better, painted..."

Robert Browning, "Fra Lippo Lippi", versos 297-303

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Ingmar Bergman sobre as Mulheres

"Todas as mulheres me impressionam: velhas, novas, grandes, pequenas, gordas, magras, espessas, pesadas, leves, feias, belas, encantadoras, torpes, vivas ou mortas. Gosto também das vacas, das macacas, das suínas, das cadelas, das mulas (...). Mas a categoria feminina que mais aprecio é a dos bichos selvagens e dos répteis perigosos. Há mulheres que detesto. Gostaria de matar uma ou duas, ou então deixar-me matar por elas. O mundo das mulheres é o meu universo. Talvez me mova mal nele, mas nenhum homem pode verdadeiramente gabar-se de saber desenvencilhar-se nele por completo".

Ingmar Bergman a propósito do que um jornalista sueco escreveu
("Bergman é demasiado sábio a respeito das mulheres").

terça-feira, 29 de março de 2016

"Like a box of chocolates"




"My momma always said: 'life was like a box of chocolates. You never know what your gonna get...'".


- "Forrest Gump" (Tom Hanks)

segunda-feira, 28 de março de 2016

Lewis Hine e a denúncia da exploração infantil

"There is work that profits children, and there is work that brings profit only to employers. The object of employing children is not to train them, but to get high profits from their work."
Lewis Hine, 1908



Boys in a Cigar Factory, Indianapolis, IN - 1908

Boys and Girls Selling Radishes - 1908


Girl Working in Box Factory - 1909

segunda-feira, 14 de março de 2016

A Fotografia e o Cinema de Paul Strand (1890-1976)

Paul Strand (1890-1976), fotógrafo e cineasta americano, ajudou a estabelecer a fotografia enquanto forma de arte no século XX. Segundo ele, a fotografia tem por base uma objetividade que é a sua própria essência; tentar que ela seja pictoral é desrespeitar o medium. Para este artista, toda a fotografia pictoral é apenas 'natureza morta'.

Na fotografia abaixo, uma das mais conhecidas de Strand, deparamo-nos com a vida, com a cidade ela mesma:

Wall Street, por Paul Srand, 1915


Seis anos depois de ter tirado Wall Street, Strand juntou-se a Charles Sheeler para realizar a primeira sinfonia urbana americana que apresenta algumas estrofes do poeta Walt Whitman. Em Manhatta, assistimos à fotografia anterior posta em movimento (ver minuto 2.30):

Manhatta, por Paul Strand e Charles Sheeler, 1921

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

"It's a Wonderful Life" (1946), de Frank Capra




"What is it you want, Mary? What do you want? You want the moon? Just say the word and I'll throw a lasso around it and pull it down. Hey. That's a pretty good idea. I'll give you the moon, Mary".

"George Bailey" (James Stewart)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

"Em Hollywood..."

“Em Hollywood, tudo se negoceia, tudo se traduz e tudo se transforma nesse negócio; acordadas do seu ‘sono antropológico’, as culturas, as línguas, os génios, os mitos, as formas convergem para uma amálgama indiscernível e indescritível, para um desemesurado gag cultural, onde cowboys convivem com faraós, deusas gregas com gangsters, indígenas do Pacífico com burguesas cosmopolitas de Park Avenue. A terra de Hollywood (não o terreno ou o território, mas as ideias que neles se instalam ou que sobre eles pairam) é feita de associações, montagens, cruzamentos e permutas incessantes; é dessa terra mestiça que provém um filme ‘feito em Hollywood’.”

João Mário Grilo,
em A Ordem no Cinema, Vozes e palavras de ordem no estabelecimento do cinema em Hollywood.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

The Magic Carpet

“From its very beginnings, cinema provided romance and escapism for millions of people all over the globe. It was the magic carpet that look them away from the harsh realities of life.”


Ronald Bergan, in The Film Book. A complete guide to the world of cinema

terça-feira, 6 de outubro de 2015

«Quero falar a sós contigo, dizer-te tudo pela primeira vez; hás-de ficar a saber toda a minha vida que sempre foi tua e acerca da qual jamais soubeste. Contudo apenas hás-de ficar a saber do meu segredo quando estiver morta, quando já não tiveres de responder-me, quando chegar verdadeiramente ao fim aquilo que agora me estremece pés e mãos, ora me afrontando ora me enregelando (…).»

Excerto de Carta de Uma Desconhecida, de Stefan Zweig