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segunda-feira, 19 de junho de 2017

"O Ecrã Global", de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy

Gilles Lipovetsky e Jean Serroy são os autores de O Ecrã Global (editada em português pelas Edições 70), uma obra que revela uma grande preocupação com a proliferação dos ecrãs na era contemporânea. Não obstante, ao contrário de um pensamento que é recorrente, hoje, estes pensadores não consideram que haja um empobrecimento da estética dos filmes – o que importa é que nos adeptemos a tudo aquilo que o digital trouxe e que nos dirijamos às salas de cinema de espírito aberto, prontos para pensamentos múltiplos, para saltos espaciais, para temas controversos, para toda uma multiculturalidade. Apesar da enorme concorrência da televisão, dos computadores e dos telemóveis, um dos grandes objetivos de Lipovetsky e de Serroy é mostrar, argumentativamente, que nada pode tirar ao cinema o seu papel de difusor e de aproximador de diferentes espaços, tempos e culturas. Além disso, um dos pontos altos do referido livro encontra-se logo nas páginas introdutórias, onde são explicados os quatro grandes momentos ou ‘idades do cinema’ (cf. Lipovetsky & Serroy, 2010: 15 ss.), que passamos agora a descrever, sucintamente:
1) a época do cinema mudo – o momento em que a sétima arte procurou um estatuto e uma definição artística; a sua referência era, nesta altura, o teatro; filmavam-se, sobretudo, pequenas cenas, nomeadamente dramáticas (e cómicas); a ausência de palavras era compensada com uma mímica exagerada e os cenários trabalhados e as maquilhagens exuberantes eram outras duas estratégias utilizadas pelos cineastas para prender a atenção dos espectadores (veja-se o expressionismo alemão dos anos 20);
2) a época que decorreu entre os anos 30 e os anos 50 – neste tempo, o cinema já era o passatempo popular por excelência; chegámos à fase do sonoro, da aplicação da cor, dos ecrãs panorâmicos e do Cinemascope; “enquadrado por normas genéricas, temáticas, morais, estéticas, este cinema é o cinema do guião, das cabeças de cartaz, das produções de estúdio” (idem, 17); que o grande ecrã nos contava, aqui, eram histórias essencialmente teleológicas – filmes organizados para conduzir a narrativa ao desenlace final (mas não é esta uma condição necessária, presente em todos os produtos cinematográficos?); a rodagem em estúdio era privilegiada em detrimento das filmagens de rua (ainda que tenhamos um neo-realismo italiano marcado por fortes imagens exteriores) e colocava-se uma grande ênfase nas vedetas; já a figura do realizador era secundária – o que  mais importava era a trama;
3) as décadas de 50, 60 e 70 – aqui, o papel das novas gerações foi crucial: vejamos a Nouvelle Vague, em França, o free cinema, na Grã-Bretanha, o cinema contestatário da Europa de Leste, o cinema novo no Brasil e nos anos 70 toda uma nova geração que se apoderou de Hollywood; contrariamente ao que tinha sucedido na segunda época referida por Lipovetsky e Serroy, o que se queria, agora, era filmar na rua, quebrar as normas estabelecidas, trocar as interpretações teatrais das personagens por um naturalismo juvial, impôr uma produção independente; este “cinema acompanha uma nova modernidade individualista, a que é promovida pela sociedade de consumo, pelos seus valores e pela sua contestação: felicidade, sexo, juventude, autenticidade, prazer, liberdade, recusa das normas convencionais e austeras” (idem, 19);
4) os anos 80 – aqui, todas as dimensões do universo cinematográfico foram afetadas (desde a criação ao consumo, passando pela promoção); é por esta mesma altura que surge o chamado ‘ecrã global’ (uma expressão que, segundo os autores que temos vindo a citar, remete para o estado que é possibilitado pelas novas tecnologias da informação e da comunicação; estamos na época do ‘tudo-ecrã’; o cinema é feito de padrões ‘blockbusterizados’ e transnacionais, de elementos cada vez mais miscigenados e multiculturais (cf. idem, 23); se já nos anos 50 o cinema tinha sofrido uma crise devido à ascensão da televisão, temos, aqui, uma nova perda de posição; no entanto, a verdade é que há um desejo cada vez maior de uma vida filmada, há um cinenarcisismo proliferante, “já não se tratar apenas da retração do cinema, mas da expansão do espírito do cinema no seio de uma cinevisão globalizada”...
A conclusão a que Lipovetsky e Serroy chegam é esta: o tudo-ecrã não faz com que o cinema ande para trás: “contribui, pelo contrário, para disseminar o olhar-cinema, para duplicar a existência da imagem em movimento, para criar uma cinemania generalizada” (idem, 24). Há, de facto, hoje, todo um espírito cinematográfico que anima o mundo.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Curso Intensivo "Filosofia & Cinema", Universidade do Minho



Informações sobre o curso intensivo "Filosofia & Cinema: Confluências Estéticas e Éticas na Imagem em Movimento":

Duração do curso: N.º total de horas: 20 horas
Horário: Terças e quintas, das 14h00 às 16h00
Local: Sala de Mestrados do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho (Braga)
Formadora: Mestre Sara Gonçalves
Prazo de inscrição: 1 a 24 fevereiro 2017
Local de inscrição: Secretaria do ILCH (U.Minho)
Preço: 25 euros (com direito a certificado)


Programa (detalhado):

Sessão 1 – 07 de março de 2017

- Apresentação do curso, da formadora e dos participantes;
- Distribuição do programa e da bibliografia recomendada;
- Introdução à história do cinema: pré-cinema; o cinema dos irmãos Lumière e de George Méliès; o início de Hollywood; o género western (Porter e o primeiro cowboy); os “Big Four” (Chaplin, Pickford, Fairbanks e Griffith); a comédia americana (Chaplin versus Keaton); o cinema soviético dos anos 20 (Eisenstein, Pudovkin); o impressionismo (Gance, Clair, Renoir, Vigo) e o abstracionismo (Duchamp, Dulac) na França.


Sessão 2 – 09 de março de 2017

- Continuação da história do cinema: o nascimento do cinema sonoro (Don Juan e The Jazz Singer); o Hays Code; a década de 40 americana (Welles, Curtiz, Capra, Ford); a Nouvelle Vague (Truffaut, Godard, Resnais, Rivette, Rohmer); o movimento dos Angry Young Men; a década de 50 italiana (Antonioni e Fellini); o suspense britânico (Hitchcock); a ascensão do cinema japonês com “O Mestre” (Kurosawa); a “Nova Hollywood” dos anos 70 (Coppola, Scorsese, Spielberg, Lucas, De Palma); o fantástico romântico, psicológico ou poético de 80 (Lynch); a era do cinema digital.


Sessão 3 – 14 de março de 2017

Sessão especial sobre dois dos grandes movimentos da história da sétima arte:

- o expressionismo alemão (Murnau, Wienne), por Mestre António Cruz Mendes;
- o neorrealismo italiano (Visconti, Rossellini), por Dr. José Amaro.


Sessão 4 – 16 de março de 2017

- Pensar filosoficamente o cinema enquanto arte: introdução às teorias essencialistas sobre a ontologia da imagem em movimento;
- Esclarecimento de alguns conceitos/expressões vinculados/as à arte cinematográfica: “representação contrafactual natural” versus “intencional” (a partir de Blow Up, 1966, de Michelangelo Antonioni); “olho humano”, “tempo” e “espaço”;
- O ilusionismo / fantasismo de Rudolf Arnheim – A Forma do Filme (com visionamento de algumas cenas de The Docks of New York, 1928, de Josef von Sternberg).


Sessão 5 – 21 de março de 2017

- O realismo de André Bazin - Qu est-ce que le cinema? (com visionamento de algumas cenas de Ladri di Biciclette, 1948, de Vittorio de Sica);
- A crítica de Ian C. Jarvie às teorias essencialistas sobre a ontologia da imagem em movimento – “Qual é o Problema da Teoria do Cinema?”;
- Uma alternativa não essencialista: as cinco condições propostas por Noël Carroll para identificar a imagem em movimento – “Defining the Moving Image”.


Sessão 6 – 23 de março de 2017

- Introdução à ética: a ética enquanto disciplina filosófica; as questões que a ética levanta; as dificuldades e os problemas centrais da ética; as três fontes fundamentais do pensamento ético do Ocidente (Grécia, Cristianismo e Iluminismo);
- A dimensão moral da existência: ‘moral’, ‘imoral’ ou ‘amoral’;
- Reflexão sobre alguns tipos de ética: deontológica (Kant), teleológica (Mill), emotivismo ético (Hume);
- Introdução à perspetiva do “particularismo moral”.


Sessão 7 – 28 de março de 2017

- A relação entre a arte e a moral: autonomismo, eticismo e imoralismo – apresentação e discussão das várias posições a partir das reflexões de Noël Carroll em “Art, Narrative and Moral Understanding” e de Matthew Kieran em “Art, Morality and Ethics: On the (Im)Moral Character of Art Works and Inter-Relations to Artistic Value”;
- O papel do realizador de cinema: mecanismos para impressionar e/ou moldar o espectador – “Efeito Kulechov”; o tempo, o ritmo e a tensão a partir de algumas cenas de Potomok Chingis-Khana (Tempestade na Ásia), 1928, de Vsevolod Pudovkin; o tamanho da imagem a partir de uma cena de The Birds, 1963, de Alfred Hitchcock.


Sessão 8 – 30 de março de 2017

- O papel do espectador de cinema: mecanismos de perceção do espectador (sujeito passivo ou ativo?; a importância dos escritos “O Cético”, de Hume, e “A Doutrina das Cores”, de Goethe, na análise do papel do observador); o reconhecimento dos efeitos psicofísicos que o cinema pode despoletar no espectador a partir do filme Le mystere des Roches de Kador, 1912, de Léonce Perret;
- A importância do contágio emocional na experiência cinematográfica, segundo Amy Coplan – “Catching Characters’ Emotions: Emotional Contagion Responses to Narrative Fiction Film”;
- O “paradoxo da ficção” e as suas três proposições – algumas soluções discutidas por Jerrold Levinson em “Emotion in Response to Art”.


Sessão 9 – 4 de abril de 2017

- “Devemos encarar a estética e a moralidade do filme como esferas autónomas ou será sempre necessário estabelecer uma relação entre as duas numa obra cinematográfica?” – debate sobre a relação entre a estética e a ética do filme a partir do visionamento de algumas cenas de: Triumph des Willens, 1935, Leni Riefenstahl; Pickpocket, 1959, de Robert Bresson; Lilith, 1964, de Robert Rossen; Empire, 1964, Andy Warhol; Study in Color and Black and White, 1993, de Stan Brakhage.


Sessão 10 – 6 de abril de 2017

Sessão especial sobre o cinema enquanto instrumento expositivo-pedagógico à Filosofia:

- a problemática da fé no cinema (Bergman, Dreyer, Tarkovsky), por Mestre Tiago Cerejeira Fontes.


Agradeço, desde já, a colaboração de: Departamento de Filosofia da Universidade do Minho | Doutor Vítor Moura | Doutor Bernhard Sylla | Mestre António Cruz Mendes | Mestre Tiago Cerejeira Fontes | Dr. José Amaro


Para mais informações, contactar:
sara.goncalves@ilch.uminho.pt
helenaa@ilch.uminho.pt
Telefone: 253601641 | Fax: 253601669

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Sobre o 'Contágio Emocional' no Cinema a partir de A. Coplan


Em “Catching Characters’ Emotions: Emotional Contagion Responses to Narrative Fiction Films”, a professora de Filosofia Amy Coplan começa por alertar para o facto de, ao vermos um filme, experienciarmos o mesmo tipo de emoções que as personagens experienciam. Este tipo de ‘mimetismo’ (mimicry) é resultado do ‘contágio emocional’ (emotional contagion – EC), “um processo afetivo automático e involuntário que ocorre quando observamos outras experiências emotivas” (Coplan, 2006: 26; trad. minha). Tal contágio é um aspeto significativo do nosso envolvimento, enquanto espectadores, com os filmes e isto, essencialmente, por duas razões: 1) EC requer um compromisso sensorial direto e envolve processos automáticos, algo que não acontece, por exemplo, com as narrativas literárias; 2) EC não envolve crenças ou imaginação, apenas processos automáticos e involuntários que escapam ao controlo da consciência. Isto faz com que a experiência do contágio emocional do cinema seja praticamente igual à experiência real de contágio emocional (cf. ibidem). Aliás, os filmes podem até ser capazes de produzir um EC maior do que aquele que temos no quotidiano uma vez que o realizador possui um aparato de técnicas. Carl Plantinga, filósofo que Coplan refere no seu artigo, explicou algumas dessas técnicas aquando da sua discussão sobre a ‘scene of empathy’ – por exemplo, focar o rosto de uma personagem durante o período de tempo suficiente para chamar a atenção do espectador para a experiência emocional interior dessa mesma personagem (neste sentido, Coplan dá o exemplo da cena de abertura de Kill Bill 1, de Quentin Tarantino - ver imagem supra). Urge perguntar que ‘tempo suficiente’ é esse – um minuto? Vinte minutos? Uma hora? E será esse tempo igual para todos os espectadores? Será que os mecanismos de feedback são ativados em todos os seres humanos de igual forma?
Voltando à tese de Coplan sobre o EC, é importante anunciar que a mesma parece deveras interessante se atentarmos no facto de quase todos os grandes teóricos da corrente cognitiva sobre o cinema preocuparem-se com respostas 'mais sofisticadas' (a expressão é da autora) sobre a emoção nos filmes – respostas como a empatia, a simpatia, a simulação ou até a identificação imaginativa. Plantinga, por exemplo, sugere que o EC é um tipo de empatia ou uma parte da empatia. Não obstante, a empatia envolve cognição, até mesmo um certo sentido de realidade (‘cognitive sense of reality’). Diz Coplan que, quando um espectador sente empatia com uma personagem, ele também assume a perspetiva psicológica da personagem, o que inclui precisamente o tal sentido de realidade (cf. idem, 31). Mas, mais uma vez, o EC não envolve quaisquer pensamentos, crenças, julgamentos.
Segundo Coplan, os trabalhos sobre as emoções no espectador de cinema tendem a enfatizar o potencial educativo das reações emocionais. Não obstante, se, de facto, existem filmes que visam transmitir algum tipo de conhecimento (veja-se o género documental), há outros que não o fazem (ainda assim, será que um filme experimental como Study in Color and Black and White, de Stan Brakhage, serve apenas para ser visto e não pensado?). A autora de que aqui falamos acredita que, “de qualquer forma, o contágio emocional é melhor entendido como experiencial do que como instrutivo” (idem, 35; trad. minha). Para Coplan, o nosso compromisso com as ficções audiovisuais são mais afetivas e menos cognitivas do que o nosso compromisso emocional com ficções literárias. Nesse sentido, os filmes estão mais próximos da vida real do que a literatura. Será isto verdade?


Referência Bibliográfica: Coplan, A. (2006). Catching Characters’ Emotions: Emotional Contagion Responses to Narrative Fiction Film, Film Studies, 8, 26-38.