segunda-feira, 7 de agosto de 2017

"Dunkirk" (2017). Da terra, do ar e do mar.


Pontuação: 6/10

M/12 | 1h46 m. | Ação, Drama, História

Países: UK, Holanda, França, EUA
Realizador: Christopher Nolan
Escrito por: Christopher Nolan
Estrelado por: Fionn Whitehead, Damien Bonnard, Aneurin Barnard


Captain Winnant: What do you see?
Commander Bolton: Home.

Maio de 1940. Segunda Guerra Mundial. Os soldados Aliados encontravam-se encurralados e submetidos aos bombardeamentos da Luftwaffe, a força aérea alemã, na região de Dunquerque. Lá, esperaram, durante dias, por um resgate. O novo filme de Christopher Nolan traz ao grande ecrã a história dessa mesma evacuação, a Operação Dínamo, também conhecida como "Milagre de Dunquerque". Um milagre que abarcou cerca de 400 mil homens que conviveram de perto com o desespero.
Apesar da grande dose de ficção, Dunkirk também consegue ser, de um ponto de vista histórico, autêntico e fiel. Este é, desde logo, um dos seus aspetos positivos. Logo nos minutos iniciais, vemos soldados cobertos por folhetos que os nazis produziam alertando para uma impossibilidade de fuga. A verdade é que os alemães elaboraram, de facto, esses mesmos folhetos, tanto em francês como em inglês. Para além do grau de veracidade de alguns momentos como o ainda agora enunciado, a nova longa metragem de Nolan arrasa no que à montagem e edição de som diz respeito: é quase impossível encontrar um espectador que não admita que ouviu de muito perto o barulho das ondas do mar ou que sentiu na pele todas aquelas brutais explosões ocorridas. Já no que respeita à fotografia, da responsabilidade de Hoyte van Hoytema (Intersteller, Her,...), também há muitas vénias a fazer: as cores de Dunkirk são de uma beleza estonteante. Cada imagem que nos chega da praia faz-nos colocar os pés na areia e a cabeça no céu. Este é, sem dúvida, um elemento técnico de destaque.
Por outro lado, há qualquer coisa que falha em Dunkirk: estamos perante um filme de guerra, sabemos que os ruídos fazem parte de qualquer batalha... Mas a banda sonora de Hans Zimmer acaba por ser de um exagero sem igual (parece-nos ser mesmo a pior criação do compositor). Passados 20 minutos de filme, já não conseguimos suportar aqueles sons, ora hiper-realistas, ora enfáticos. Em vez de criar tensão, a obra de Nolan acaba por, a dada altura, criar irritação. O realizador quis tornar o diálogo entre personagens num elemento de menor importância, mas acabou por compensar (ou melhor, descompensar) essa falta com uma música que chega a provocar náuseas. Há muitos momentos de Dunkirk que pedem silêncio e esse silêncio acaba por nunca chegar.
Além do problema da banda sonora desmesurada, este filme delineia-se como um espetáculo digital despido de todo e qualquer laivo de humanismo. É certo que nos dá a conhecer aquele pai e aquele filho ingleses que, no seu pequeno barco, tentam resgatar, em alto mar, os seus compatriotas perdidos. Quando surgem no ecrã, há um conforto que aquece o nosso coração. Mas o seu surgimento é tão momentâneo, tão efémero, tão fugaz, que não chega para colmatar a falta de filantropia que sentimos.
Em Dunkirk, temos ritmo, vulcanicidade... Temos a terra, o ar e o mar em grande destaque. E também temos fogo, é certo. Mas a falta de contenção de Nolan torna tudo tão frio e tão meramente frenético que nem o momento do resgate consegue proporcionar-nos conforto.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

"La Mujer sin Cabeza" (2008). Do ser "Verónica".


Pontuação: 7,5/10

M/12 | 1h27 | Drama, Mistério, Thriller

Países: Argentina, França
Realizado por: Lucrecia Martel
Escrito por: Lucrecia Martel
Estrelado por: María Onetto, Claudia Cantero, Inés Efron


La Mujer sin Cabeza, de Lucrecia Martel, enceta numa estrada onde vemos crianças a brincar. Depressa os seus risos inocentes dão lugar à música que toca no rádio do carro de “Verónica” (interpretada pela brilhante e segura María Onetto). Daí até abraçarmos um silêncio profundo e incómodo pouco tempo decorre. Depois da dentista bater em algo, enquanto conduz, nada ouvimos. Talvez apenas um eco da sua respiração acelerada. Nesta mesma cena inicial, acabamos por ficar trancados com a protagonista, dentro do seu carro, e, tal como ela, não sabemos o que fazer. De repente, começa a chover e percebemos que não podemos parar de ver esta obra, pois a forma como a realizadora filma os pingos de água a bater no vidro é, pura e simplesmente, perfeita.
O cinema de Martel é uma espécie de espelho de relações familiares e dos seus tormentos: nesta longa-metragem, temos uma mãe que não se recorda da existência das netas, uma traição e ainda uma jovem que surpreende a família ao levar uma namorada para casa. Não descurando a importância destes pormenores, a verdade é que o foco do argumento e da própria câmara é sempre “Verónica”. É ela que é filmada de perto, de muito perto, e é na cabeça dela que entramos sem nunca entrar, verdadeiramente. Depois do acidente da cena inicial, o mistério instala-se e as lágrimas tornam-se bastante presentes nos olhos da protagonista, que não sabe se atropelou um ser humano ou um animal. O ambiente em que nos quedamos enquanto espectadores é tão intimista que, às tantas, até nos questionamos se, nós próprios, fizemos alguma coisa de mal. Será que, de alguma forma, também somos culpados?
O típico cinema de Hollywood habituou-nos a obter respostas, mas, aqui, Martel nada mais nos deixa a não ser enigmas. A personagem principal é, ela mesma, um enigma. Ainda assim, a forma como os familiares agem com ela é bastante terna e até carnal. Parece, por vezes, que todos, marido, sobrinhos e irmãs, lhe querem arrancar um pedaço de carne por forma a conseguir ler todos os seus silêncios. Talvez por isso "Veronica" chegue até nós em cacos. Talvez por isso sintamos que só a água (não me recordo de um filme onde este elemento tenha tanto poder) a consegue acalmar: a da chuva que cai, a do chuveiro que a limpa dos pecados e a das lágrimas que a conduzem a um estado catártico que é meramente momentâneo.
Este filme é a prova de que o cinema tem, em si, a capacidade de nos fazer colocar no lugar do outro. Em La Mujer sin Cabeza, o essencial é sentir por “Verónica” e, mais do que isso, sentir com “Verónica”.