quinta-feira, 3 de agosto de 2017

"La Mujer sin Cabeza" (2008). Do ser "Verónica".


Pontuação: 7,5/10

M/12 | 1h27 | Drama, Mistério, Thriller

Países: Argentina, França
Realizado por: Lucrecia Martel
Escrito por: Lucrecia Martel
Estrelado por: María Onetto, Claudia Cantero, Inés Efron


La Mujer sin Cabeza, de Lucrecia Martel, enceta numa estrada onde vemos crianças a brincar. Depressa os seus risos inocentes dão lugar à música que toca no rádio do carro de “Verónica” (interpretada pela brilhante e segura María Onetto). Daí até abraçarmos um silêncio profundo e incómodo pouco tempo decorre. Depois da dentista bater em algo, enquanto conduz, nada ouvimos. Talvez apenas um eco da sua respiração acelerada. Nesta mesma cena inicial, acabamos por ficar trancados com a protagonista, dentro do seu carro, e, tal como ela, não sabemos o que fazer. De repente, começa a chover e percebemos que não podemos parar de ver esta obra, pois a forma como a realizadora filma os pingos de água a bater no vidro é, pura e simplesmente, perfeita.
O cinema de Martel é uma espécie de espelho de relações familiares e dos seus tormentos: nesta longa-metragem, temos uma mãe que não se recorda da existência das netas, uma traição e ainda uma jovem que surpreende a família ao levar uma namorada para casa. Não descurando a importância destes pormenores, a verdade é que o foco do argumento e da própria câmara é sempre “Verónica”. É ela que é filmada de perto, de muito perto, e é na cabeça dela que entramos sem nunca entrar, verdadeiramente. Depois do acidente da cena inicial, o mistério instala-se e as lágrimas tornam-se bastante presentes nos olhos da protagonista, que não sabe se atropelou um ser humano ou um animal. O ambiente em que nos quedamos enquanto espectadores é tão intimista que, às tantas, até nos questionamos se, nós próprios, fizemos alguma coisa de mal. Será que, de alguma forma, também somos culpados?
O típico cinema de Hollywood habituou-nos a obter respostas, mas, aqui, Martel nada mais nos deixa a não ser enigmas. A personagem principal é, ela mesma, um enigma. Ainda assim, a forma como os familiares agem com ela é bastante terna e até carnal. Parece, por vezes, que todos, marido, sobrinhos e irmãs, lhe querem arrancar um pedaço de carne por forma a conseguir ler todos os seus silêncios. Talvez por isso "Veronica" chegue até nós em cacos. Talvez por isso sintamos que só a água (não me recordo de um filme onde este elemento tenha tanto poder) a consegue acalmar: a da chuva que cai, a do chuveiro que a limpa dos pecados e a das lágrimas que a conduzem a um estado catártico que é meramente momentâneo.
Este filme é a prova de que o cinema tem, em si, a capacidade de nos fazer colocar no lugar do outro. Em La Mujer sin Cabeza, o essencial é sentir por “Verónica” e, mais do que isso, sentir com “Verónica”.

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