sexta-feira, 27 de outubro de 2017

"Porto" (2016). Deslumbre Fotográfico.


Pontuação: 8/10

M/16 | 1h16 min. | Drama, Romance

Realizado por: Gabe Kingler
Escrito por: Larry Gross, Gabe Klinger
Estrelado por: Anton Yelchin, Lucie Lucas, Paulo Calatré


"É como se não tivéssemos escolha..."
- "Jake"


Porto, do realizador Gabe Klinger, é a prova de a beleza mora, não raras vezes, na simplicidade. Não estamos perante um filme perfeito, longe disso; mas estamos perante uma obra que tem muitos aspetos positivos a ressalvar. Comecemos pela frugalidade que pinta a narrativa: na cidade invicta, conhecemos um homem chamado “Jake” (interpretado, de forma brilhante, pelo já falecido ator Anton Yelchin), que vai fazendo uns biscates para sobreviver, e uma mulher francesa, um pouco mais velha, de seu nome “Mati”, que estuda arqueologia. Num único dia, os dois cruzam-se três vezes, duas sem querer, a última talvez de propósito. Os olhares que trocam no café “Ceuta” conduzem as personagens a uma noite de amor sem pressas, sem horas.


O argumento, dividido em três capítulos (“Jake”, “Mati” e “Jake & Mati”) é este: um homem, uma mulher e um serão de sexo e de frases soltas (belíssimas e profundas) que se quedam no instante em que são proferidas. Como é que se conta algo tão simples num filme de uma hora e um quarto? Com cuidado. Muito cuidado. Klinger dividiu o drama em três tempos, alternando imagens capturadas em suportes distintos – 16 mm, 35 mm e Super 8; é certo que o trabalho de edição não é o melhor que já se viu no cinema, pois o filme contém alguns cortes bruscos; além disso, a passagem de imagens completamente nítidas para imagens desfocadas causa, por vezes, um certo desconforto no espectador; no entando, há aspetos cinematográficos que nos aquecem o coração, nomeadamente a fotografia de Wyatt Garfield que nos faz abraçar um Porto cheio de luzes reconfortantes e de lugares familiares. Depois, as referências ao cinema de Jim Jarmusch, o realizador de Paterson (2016), que é, aliás, o produtor executivo deste drama. Finalmente, são-nos ofertados planos exímios, como aquele em que vemos “Mati”, com um guarda-chuva vermelho aberto, a olhar, nostálgica, para dentro do café supra mencionado (ver imagem infra).



Cada vez mais, creio que são os pequenos pormenores extremamente bem filmados e os pequenos acontecimentos sublimemente contados que nos deixam com vontade de rever um filme. E Porto é para rever, sem quaisquer sacrifícios.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

"The Snowman" (2017). Frio como a neve.


Pontuação: 4/10


M/16 | 1h59 min. | Crime, Drama, Terror


Realizado por: Tomas Alfredson
Escrito por: Peter Straughan, Hossein Amini, Soren Sveistrup; baseado no livro de Jo Nesbø
Estrelado por: Michael Fassbender, Rebecca Ferguson, Charlotte Gainsbourg


"I think it's the falling snow that sets the killer off" - "Katrine Bratt"


Parece que o cinema americano continua a insistir na adaptação frouxa e despreocupada de obras literárias nórdicas para o cinema. Depois dos péssimos remakes que foram Let Me In (2010) e The Girl with the Dragon Tattoo (2011), surge The Snowman (2017) que, apesar de não ter outra adaptação à qual se comparar, não deixa de ser um desastre. Tomas Alfredson, o realizador de Tinker, Tailor, Soldier, Spy (A Toupeira, em português), tentou recriar, no grande ecrã, o terror e a forte atmosfera emocional do livro de 2007 de Jo Nesbø, mas o resultado final fica muito aquém das expectativas.


The Snowman gira em torno do trabalho de investigação do detetive "Harry Hole" (representado por Michael Fassbender) e da novata "Katrine Bratt" (ver imagem supra). A ação decorre em Oslo, uma cidade que se vê refém de uma série de assassinatos "assinados" por um boneco de neve (ver imagem infra). As vítimas são sempre do sexo feminino e mães e o serial killer só atua quando neva. Eis informações que poderiam despoletar bons momentos de suspense. Se eles existem, de facto, neste filme que prometia isso mesmo com o seu trailer? Nem por isso.


Desenganem-se se pensam que conseguem estabelecer qualquer tipo de relação empática com alguma das mulheres assassinadas. O filme está tão mal construído e tem tantas lacunas que nós, espectadores, não nos conseguimos afeiçoar às personagens (nem ao próprio protagonista, cuja vida é apenas rabiscada;  veja-se, desde logo, a cena inicial, aquela em que "Harry" acorda de manhã, numa cabana, no meio de um parque, com uma garrafa na mão; o que é que aconteceu para ele estar ali e daquela forma? Não sabemos. A obra termina sem que seja facultada uma resposta a esta pergunta). Dói admiti-lo, mas a verdade é que, em The Snowman, nem a brilhante e belíssima musa de Lars von Trier, a atriz Charlotte Gainsbourg, é suficiente para aquecer os nossos corações (ver imagem infra).
O que é que temos, então, com esta longa metragem de Alfredson? Bonitas paisagens da Noruega. De resto, não há muito que possamos aproveitar: nem em termos de argumento, que é demasiado confuso e incompleto, nem em termos de técnica, que é de uma prematuridade injustificada. 

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

"Paterson" (2016). Pura Poesia, Poesia Pura.


Pontuação: 9/10

M/12 | 1h58m. | Comédia, Drama, Romance

Realizado por: Jim Jarmusch
Escrito por: Jim Jarmusch, William Carlos Williams (poem), Ron Padgett (poems)
Estrelado por: Adam Driver, Golshifteh Farahani, Nellie


Paterson: I guess you really like poetry then?
Japonese Poet: I breathe poetry.
Paterson: So you write poetry?
Japonese Poet: Yes. (...) My poetry only in Japonese. No translation.
Poetry in translations is like taking a shower with a raincoat on.


Nos EUA, no estado de New Jersey, há uma cidadezinha chamada Paterson. Foi nela que nasceu um pediatra e poeta chamado William Carlos Williams, aquele que escreveu aquele longo poema de seu nome “Paterson” (dizem que foi inspirado em Ulisses, de James Joyce, e que surgiu também como uma resposta a The Waste Land, de T. S. Eliot). E foi esta mesma obra que levou Jim Jarmusch a realizar este filme que tem como personagem principal um homem chamado... Adivinhem?! “Paterson”.
A história de Paterson começa numa segunda feira, termina na segunda feira seguinte e o que vemos nos “entretantos” é a rotina da vida de um casal que encarna uma América tranquila, pacata, desligada de maquinarias e de tecnologias. Uma América que ainda sabe sentar-se à mesa e conversar. Uma América que não tem medo de falar com estranhos. Uma América que mais parece, enfim, uma utopia.
“Paterson” (interpretado por Adam Driver; ver a primeira imagem infra) é um motorista de autocarros na cidade de Paterson e a sua esposa, “Laura” (interpretada por Golshifteh Farahani), é uma dona de casa que passa o tempo a pintar cortinas, a fazer cupcakes, a tocar guitarra e a cozinhar tartes com couves de bruxelas e queijo. No meio de tudo isto, temos, da sua parte, uma veneração ao preto e ao branco, provavelmente ao yin e ao yang, porque se há coisa que este filme é é zen (ver a segunda imagem infra).

 


Urge perguntar: como é que uma longa metragem com um argumento tão linear, tão simples, nos consegue apaixonar? Como é que não nos cansamos de ver “Paterson” acordar sempre à mesma hora (com o seu “despertador biológico”; sim, porque a personagem recusa-se a ter um smartphone...), ir trabalhar, escrever uns versos no seu pequeno caderno antes de ligar o autocarro, voltar para casa, endireitar a caixa do correio, jantar com “Laura”, passear “Marvin” (um buldogue inglês giríssimo, que mais parece falar a linguagem humana), parar no bar de sempre, beber uma cerveja, regressar a casa e dormir? Porque, por detrás de toda esta mesmice, há Poesia: a que “Paterson” escreve (o autor dos poemas declamados no filme – e escritos propositadamente para esta obra – é Ron Padgett, amigo de Jarmusch), a que “Paterson” lê (de Williams), a que se esconde por detrás da queda de água onde o protagonista pára, não raras vezes, para refletir e ainda a que mora na casa do casal - nos seus quadros, nas suas paredes e nos vestidos de "Laura".


Paterson é de uma simplicidade e de uma beleza difíceis de encontrar no cinema de hoje em dia. Sabemo-lo, desde logo, por causa daquele extraordinário diálogo entre “Paterson” e o “Poeta Japonês”, um diálogo que emerge quase no final do filme e que é, a meu ver, nada mais, nada menos, que uma espécie de sublime kantiano (leiam a epígrafe deste artigo e deliciem-se). Este filme até poderia ser (e desculpem-me a expressão!) uma "valente seca"; mas, ainda assim, merecia ser visto só por causa desta mesma conversa, uma conversa entre dois homens que respiram palavras escritas. Que as amam. E amam sem pressas.



Estamos perante uma obra que é, no seu todo, Pura Poesia e, ao mesmo tempo, Poesia Pura: Poesia prosaica, quotidiana, terrena. A mais bonita e sincera, portanto.