quarta-feira, 4 de outubro de 2017

"Paterson" (2016). Pura Poesia, Poesia Pura.


Pontuação: 9/10

M/12 | 1h58m. | Comédia, Drama, Romance

Realizado por: Jim Jarmusch
Escrito por: Jim Jarmusch, William Carlos Williams (poem), Ron Padgett (poems)
Estrelado por: Adam Driver, Golshifteh Farahani, Nellie


Paterson: I guess you really like poetry then?
Japonese Poet: I breathe poetry.
Paterson: So you write poetry?
Japonese Poet: Yes. (...) My poetry only in Japonese. No translation.
Poetry in translations is like taking a shower with a raincoat on.


Nos EUA, no estado de New Jersey, há uma cidadezinha chamada Paterson. Foi nela que nasceu um pediatra e poeta chamado William Carlos Williams, aquele que escreveu aquele longo poema de seu nome “Paterson” (dizem que foi inspirado em Ulisses, de James Joyce, e que surgiu também como uma resposta a The Waste Land, de T. S. Eliot). E foi esta mesma obra que levou Jim Jarmusch a realizar este filme que tem como personagem principal um homem chamado... Adivinhem?! “Paterson”.
A história de Paterson começa numa segunda feira, termina na segunda feira seguinte e o que vemos nos “entretantos” é a rotina da vida de um casal que encarna uma América tranquila, pacata, desligada de maquinarias e de tecnologias. Uma América que ainda sabe sentar-se à mesa e conversar. Uma América que não tem medo de falar com estranhos. Uma América que mais parece, enfim, uma utopia.
“Paterson” (interpretado por Adam Driver; ver a primeira imagem infra) é um motorista de autocarros na cidade de Paterson e a sua esposa, “Laura” (interpretada por Golshifteh Farahani), é uma dona de casa que passa o tempo a pintar cortinas, a fazer cupcakes, a tocar guitarra e a cozinhar tartes com couves de bruxelas e queijo. No meio de tudo isto, temos, da sua parte, uma veneração ao preto e ao branco, provavelmente ao yin e ao yang, porque se há coisa que este filme é é zen (ver a segunda imagem infra).

 


Urge perguntar: como é que uma longa metragem com um argumento tão linear, tão simples, nos consegue apaixonar? Como é que não nos cansamos de ver “Paterson” acordar sempre à mesma hora (com o seu “despertador biológico”; sim, porque a personagem recusa-se a ter um smartphone...), ir trabalhar, escrever uns versos no seu pequeno caderno antes de ligar o autocarro, voltar para casa, endireitar a caixa do correio, jantar com “Laura”, passear “Marvin” (um buldogue inglês giríssimo, que mais parece falar a linguagem humana), parar no bar de sempre, beber uma cerveja, regressar a casa e dormir? Porque, por detrás de toda esta mesmice, há Poesia: a que “Paterson” escreve (o autor dos poemas declamados no filme – e escritos propositadamente para esta obra – é Ron Padgett, amigo de Jarmusch), a que “Paterson” lê (de Williams), a que se esconde por detrás da queda de água onde o protagonista pára, não raras vezes, para refletir e ainda a que mora na casa do casal - nos seus quadros, nas suas paredes e nos vestidos de "Laura".


Paterson é de uma simplicidade e de uma beleza difíceis de encontrar no cinema de hoje em dia. Sabemo-lo, desde logo, por causa daquele extraordinário diálogo entre “Paterson” e o “Poeta Japonês”, um diálogo que emerge quase no final do filme e que é, a meu ver, nada mais, nada menos, que uma espécie de sublime kantiano (leiam a epígrafe deste artigo e deliciem-se). Este filme até poderia ser (e desculpem-me a expressão!) uma "valente seca"; mas, ainda assim, merecia ser visto só por causa desta mesma conversa, uma conversa entre dois homens que respiram palavras escritas. Que as amam. E amam sem pressas.



Estamos perante uma obra que é, no seu todo, Pura Poesia e, ao mesmo tempo, Poesia Pura: Poesia prosaica, quotidiana, terrena. A mais bonita e sincera, portanto.

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