terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Sobre "Silence" (2016). Um filme que pede... Silêncio.



Pontuação: 9/10

M/14 | 2h41 m. | Drama, História

Título original: Silence
Realizador: Martin Scorsese
Escrito por: Jay Cocks e Martin Scorsese
Estrelado por: Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson


Recordo-me de o meu professor de Seminário VI da licenciatura em Filosofia nos ter falado de um jesuíta de seu nome Cristóvão Ferreira. Nessa unidade curricular dedicada ao ateísmo, conversámos, durante algumas semanas, sobre alguns fiéis que abandonaram o Cristianismo (ora por vontade própria, ora porque se viram obrigados a tal). O nome deste missionário ficou-me gravado na memória, talvez por, já na altura, ter achado a sua história difícil de digerir. Ferreira (interpretado, no filme de Scorsese, por Liam Neeson) foi um jesuíta português nascido por volta de 1580, em Torres Vedras, que, no século XVII, foi em missão para o Japão. No ano de 1633, Ferreira foi capturado e, após ter sido torturado durante 5 horas, acabou por cometer apostasia. O torreense tornou-se o mais famoso dos chamados “padres caídos” e, já com o nome de Sawano Chuan, escreveu o livro A Deceção Revelada (o título diz tudo. Ou nada).
Silence conta a história de Ferreira e de outros. Conta-a de forma dura, demorada e, fazendo jus ao título, silenciosa. Não tem banda sonora nem precisa. Neste filme, tudo é revelado pela fotografia – belíssima fotografia de Rodrigo Prieto – à qual se juntam gritos de dor oriundos de quem não entende por que razão não pode amar o Deus cristão. Não bastando isto, temos as respirações. Tão próximas e tão exasperantes que, às tantas, já não sabemos se as ouvimos das personagens ou se somos nós próprios que estamos a expelir o ar de forma penosa.
Falo de uma obra que demorou muito tempo a ser concluída (décadas) e que, dado o assunto sensível que trata, exigia, a meu ver, o máximo de rigor. Enquanto retrato da tortura a que alguns cristãos eram submetidos, Silence parece-me quase irrepreensível – basta atentar nas cenas em que “Ferreira” está, de pernas para o ar, com a cabeça enfiada numa fossa, com o sangue a escorrer devido a um pequeno corte na pele (feito propositadamente pelos japoneses para impedir uma morte rápida). Mas, infelizmente, a precisão de Scorsese esteve ausente na escolha dos atores principais. Por melhor que tenha sido a performance de Andrew Garfield enquanto “Padre Rodrigues”, não se compreende que o papel não tenha sido atribuído a um ator nacional. Aquele diálogo que acontece entre “Rodrigues” e “Ferreira” (já, há muito, “Chuan”) numa das últimas cenas que antecedem a apostasia do primeiro (e que não deixa de ser fantástico) deveria ter sido em português (ouvir “Deus" e não “God” pelo meio não foi, de todo, suficiente). E não se trata, aqui, de patriotismo. Trata-se, simplesmente, daquilo de que falei no início deste parágrafo: rigor.
De qualquer forma, o novo filme do realizador de Hugo merece ser visto, apreciado e amado. Em silêncio, por favor.

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