Pontuação: 8,5/10
M/16 | 1h44 m. | Terror, Mistério
Realizado por: Jordan Peele
Escrito por: Jordan Peele
Estrelado por: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Catherine Keener, Bradley Whitford
Na passada quinta-feira estreou, nas salas de cinema portuguesas, a primeira longa metragem de Jordan Peele (um nome bem conhecido do público norte-americano pela sua participação nas séries de comédia MADtv e Key & Peele): chama-se Get Out, mas não despoleta vontade de fugir. Pelo contrário: é um filme que pede que fiquemos e que atentemos em todos os seus pormenores com sentido, pormenores que se quedam no devido lugar.
Peele traz-nos a história de "Chris" (Daniel Kaluuya), um jovem de cor que é convidado por "Rose" (Allison Williams) para um fim de semana em casa dos seus pais. Depois de perguntar à namorada se ela, por acaso, disse aos seus progenitores que ele é negro, há uma preocupação que invade o espectador e coloca-se a questão: será que vamos assistir a mais um de tantos filmes sobre o racismo cheio de clichés e de falsos moralismos? O receio desvanece-se com uma cena que é um dos marcos deste filme: o atropelamento de um veado que não é só um atropelamento. É um prelúdio... E é com ele que embarcamos numa aventura tão sinistra que chega a provocar náuseas.
Veja-se, desde logo, a forma amistosa com que "Missy" (Catherine Keener) e "Dean" (Bradley Whitford) recebem "Chris" no seu pujante e eclético lar. Os seus sorrisos e os seus abraços ora parecem sinceros, ora parecem sarcásticos (aliás, todo o filme é um lugar de incerteza e é sobretudo isso que o torna especial). Nós, que assistimos aos seus olhares, aos seus diálogos, aos seus gestos, não sabemos bem o que pensar. Há qualquer coisa que denuncia aquele casal que quer parecer tão afável (e, diga-se, que casal! Peele foi certeiro na escolha dos atores), até mesmo a declaração que "Dean" faz a "Chris", declaração essa que "Rose" já tinha adivinhado: "I would vote Obama for a third term if I could...".
As grandes cenas de suspense de Get Out são provocadas pelos empregados da mansão dos "Armitage", um homem e uma mulher de cor detentores de olhares vazios, de falas sem alma e de atitudes robóticas (o jardineiro protagoniza mesmo um dos melhores momentos do filme - o da corrida noturna, que aparece no trailer). São eles que, primeiramente, deixam "Chris" desconfortável. Depois, vem a festa. Uma festa so white que, a par de um telemóvel que teima em não carregar, chama a atenção do protagonista que começa a acreditar que há algo de muito errado com a família de "Rose"...
Hipnotismo, buracos negros, leilões, fotografias escondidas. Como é que um filme consegue comportar tudo isto sem se tornar exagerado e, consequentemente, desgastante? Porque, a suportar a narrativa de Peele, está toda uma montagem competente: o ritmo das cenas é exímio e os cortes surgem nos momentos mais oportunos. Aqui, há mais lentidão do que freneticidade e ainda bem, porque com um argumento tão duro precisamos disso para conseguir sentir cada batimento cardíaco, cada suspiro, cada calafrio; precisamos de pensar para, depois, nos surpreendermos... E a parte técnica desta obra suporta muito bem essas necessidades. É certo que poderia ter prescindido de uma ou de outra música que nos distrai, mas não é isso faz Get Out não valer a pena.
Esta longa metragem do comediante americano é uma boa surpresa. Por ser macabra, ou constituir-se por personagens e momentos macabros, não agrada a todos. Mas agradará, certamente, àqueles que já estão fartos de ver a temática do racismo ser tratada com muito cuidadinho. Apesar de estarmos perante uma narrativa extremamente linear (chegados à ficha técnica, somos invadidos pela ideia de que tudo fez sentido), a forma como, enquanto espectadores, somos conduzidos, é intensa e apela a questionamentos e a tropeções constantes. Se não estão preparados para tal, então, o melhor é mesmo fugir.
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