terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

"I, Daniel Blake" (2016). Dos absurdos burocráticos.



Pontuação: 9/10

M/12 | 1h40 min. | Drama

Título Original: I, Daniel Blake
Realizado por: Ken Loach
Escrito por: Paul Laverty
Estrelado por: Dave Johns, Hayley Squires, Sharon Percy


"Não sou um cão, não sou um cliente, não sou um número.
Eu, Daniel Blake, sou um homem, sou um cidadão, nada mais, nada menos".


O cinema de Ken Loach sempre foi revelador da sua posição política. Assumindo-se como homem de esquerda e com um estilo marcadamente realista, o realizador de I, Daniel Blake - vencedor da Palma de Ouro (é a segunda vez que Loach é distinguido com este prémio - já o havia ganho, em 2006, com The Wind that Shakes the Barley) e do BAFTA de "Melhor Filme Britânico" - não tem medo de abordar assuntos delicados como a destruição de políticas públicas de bem-estar social e a miséria que daí advém. Esta sua última longa-metragem vem mostrar, mais uma vez, que estamos perante um homem que não sente quaisquer constrangimentos em usar a sétima arte como um meio para chamar a atenção para a falta de humanidade que impera no poder estatal.
"Daniel Blake" (Dave Johns, com um desempenho de arrepiar os deuses) é um viúvo de 59 anos que, após sofrer um ataque cardíaco, tentar obter a pensão de invalidez. Aconselhado pelos serviços a recorrer antes ao subsídio de desemprego, este homem vê-se obrigado a lidar com formulários disponíveis online e com todo um conjunto de burocracias que, por mais que tente, não consegue compreender. Ainda assim, nota-se que “Blake” quer continuar a ser o cidadão exemplar que sempre foi e faz um esforço tremendo para cumprir as regras do sistema (vai até uma biblioteca e usa aquela máquina estranha que é o computador, participa numa formação sobre procura de emprego, elabora – ainda que a lápis – o seu curriculum vitae,...). Até ao dia em que percebe que não merece ser tratado com tanta antipatia e secura.
À medida que o tempo passa, notamos que “Blake” vai perdendo a paciência, aquela mesma que denotou ter aquando da chamada telefónica que ouvimos nos primeiros minutos do filme – uma chamada que decorre num fundo preto, sem rostos, cheia de perguntas genéricas e praticamente inúteis (parece que Loach quis ressalvar, desde logo, a impessoalidade do sistema de ação social). Ainda assim, o sentido de humor desta personagem permanece inamovível quase até ao fim. Profundamente expressivo, “Blake” permite-nos sorrir com a sua desgraça. Basta lembrarmos aquele momento em que uma auxiliar do centro de emprego o informa de que “there's a special number if you've been diagnosed as dyslexic” e ele, prontamente, responde: “Right, can you give us that 'coz with computers. I'm dyslexic”.
A par de Johns, também Hayley Squires (ver imagem infra) merece um ‘bravo’ pelo seu desempenho enquanto “Katie”. Esta mãe solteira, que também se sentiu injustiçada pelo aparelho burocrático, acaba por encontrar conforto no ombro de “Blake” e, juntos, tentam melhorar o dia a dia dos pequenos “Dylan” (Dylan McKiernan) e “Daisy” (Briana Shann). É ela que, numa ida ao banco alimentar, provoca um dos momentos mais arrebatadores deste filme, um momento que faz com que segurar as lágrimas se revele uma tarefa impossível.
A mensagem que esta obra de Loach quer transmitir é curta, direta e merecedora de discussão: não raras vezes, os absurdos burocráticos sobrepõem-se ao ideal de filantropia que permite as sociedades andarem para a frente. E as consequências disso são, muitas vezes, irreversíveis. I, Daniel Blake chama-nos a atenção para isso e para muitas outras coisas. O filme é muita coisa. É realidade, angústia, injustiça, luta, fome, desespero. É um alerta, uma lição, um ensinamento. É um abanão. Um daqueles fortes, que nos provoca tanta dor que, por mais que queiramos, nem tão cedo conseguimos esquecer.




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